terça-feira, 2 de maio de 2017

Ainda te procuro...

A tentação mora ao lado...
Tantos ditados, tantas frases que ouvimos que parecem encaixar em cada momento da nossa vida. Parece que nos são dirigidos especialmente, que quem escreveu deveria sentir exactamente o mesmo, viver exactamente o mesmo...é nesta altura que reflicto e penso, de facto somos tão iguais, porque teimamos em contrariar tamanha evidência.

dentro da anestesia que ainda me corre nas veias, tenho vindo a desprezar tanta evidência, a lutar contra a verdade, a lutar contra sentir, a lutar contra tudo o que me faça recordar e por mais que tente, por mais que contrarie, ainda me vejo a procurar ... na rua o semblante, o carro, a mota, a vida que me devastou por dentro e por fora. Se me perguntarem porquê?, não sei, vou por exclusão de partes, não é paixão, muito menos amor, não é ódio, já nem raiva é...pena? indiferença não é certamente, pois nesse caso nem pensaria sobre isso, nem escreveria sobre isso. Curiosidade? talvez? Talvez o querer sentir a adrenalina de ver como me vou sentir, sentir que não sinto nada? Tenho vontade de saber como me vou sentir, mas penso sempre, é cedo demais, é perigoso ainda, pode destabilizar-me ainda, pode significar emoções fortes que ainda não estou preparada para sentir...
Confio no universo ou no que seja que me tem poupado desse encontro, que sei que irá ocorrer um dia, e quando acontecer acredito que estarei preparada, que será tão banal que devo até ficar constrangida com o facto.

o olhar pára-me muitas vezes, ainda olho para as torres onde vivia, a tentar encontrar alguma emoção, nada, apenas a tentação de olhar de validar...
hoje passei ao lado, e não consegui evitar olhar, mas a verdade até dói não senti emoção, senti dor, porque fui ali tão infeliz, tão infeliz que já nem sabia que era infeliz, o estagio da doença era tão avançado que já não me regia por qualquer normalidade, já vivia uma realidade paralela com padrões totalmente anormais que considerava qualquer afecto minimo um nível tão elevado de felicidade que até me faz dó agora.

mas a verdade é que ainda olho, a verdade é que ainda procuro nos sítios do costume a face, o gesto, o olhar perdido no meio de outros estranhos, de alguém que foi o meu mundo tanto tempo...

se continuasse anestesiada como tentei durante algum tempo, parecia tudo indolor, parecia tudo bastante longe, mas a realidade continuava aqui à minha espera, e a anestesia não dura para sempre.
é duro sentir em todos os poros, a tortura das memórias que não se desvanecem, que surgem do nada, em qualquer momento, ocasião, sem pedir licença, sem se apresentarem, sem se preocuparem se magoam ou não, por vezes surgem também os pesadelos em formato ainda pior, arrancam-me da cama e entorpecem-me os sentidos, levam-me muitas vezes a sentir o pavor de voltar ao que era e não conseguir ter capacidade de reação, aquela sensação de incapacidade de movimento, damos ordens às pernas, braços, por favor, e nada obedece, desistiram de fazer movimentos e mantém-se inactivos todos os membros, e preparam-se novamente para o embate, mais do mesmo, mas até já faz parte nada de novo....e cá se fica... 
felizmente nos dias de hoje, ACORDO e vejo que foi apenas um pesadelo, mas foi de terror porque me senti totalmente incapaz, sem reação, sem capacidade...

Reviver faz-me pensar que ainda é mais doloroso, porque não posso mudar nada e vejo as cenas mil vezes e a cada dia as cenas ainda me parecem mais macabras, mais ridiculas, mais absurdas e principalmente mais terríveis.

estou no caminho certo, mas é um caminho tortuoso, é um caminho que tenho que fazer para chegar ao fim, tentei atalhar, tentei voar, tentei dar mil voltas, mas o caminho certo tem que ser feito, tem que ser caminhado...não há como fugir.
tem dias que me farto, parece um caminho sem fim, detesto sofrer, detesto sentir, detesto pensar sempre no mesmo, detesto falar sempre do mesmo, detesto passar por isto, mas não posso fazer mais nada...tudo o que havia para fazer de alternativa já fiz e não resultou.

quem eu procuro não existe, está apenas na minha cabeça e por isso ainda é um fantasma...descontruir tudo isso faz parte desta estrada que parece feita de lava incandescente que ainda borbulha e queima, alguma cinza a fumegar a enganar as chamas que ainda esconde...por vezes fecho os olhos e caminho e sem medo sigo em frente e acredito que sou mais forte do que a dor...
penso também que hoje em dia de olhos fechados estou menos cega do que antes, e que a minha visão me engana tanto, que neste caminho o percurso deve ser feito de olhos fechados para deixar os outros sentidos mais atentos...