terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Sem mãos...

Sem mãos,
Sem pés, e quase sem dentes, era assim que brincava quando me lançava pela estrada fora de bicicleta.
Uma bicicleta herdada dos meus irmãos, que herdei já sem travões, o que permitia uma adrenalina superior à época deles.
Na altura, saía de casa sem planos, ia a correr para encontrar quem andasse aí na rua para brincar. Na altura gritava pelas minhas amigas na rua, para brincar, para correr, para saltar. Haviam jogos tradicionais, saltavamos à corda, jogo do mata, brincávamos às casinhas e fazíamos autênticos lares entre rochedos.
Quando era noite ouvia chamar, e sem responder adiava ao máximo o regresso a casa, que nem o escurecer nos tirava a gana de nos mantermos por ali em brincadeiras sem fim.
Havia chatices, às vezes pancadaria, invejas, arrufos e amuos, mas no final do dia já tudo estava resolvido, ou no limite no dia seguinte pela manhã, quando na almofada reconhecíamos as infantilidades e a vontade de no dia seguinte repetir brincadeiras ou procurar novas aventuras.

Havia dias que parecia mais do mesmo, e que me entristecia por não ter barbies e brinquedos mais sofisticados, e uma bicicleta das novas com mudanças como as das minhas primas, mas no final do dia eu ia aos mesmos sítios, e brincava na mesma com bonecas.
Aprendi que o preço das coisas não lhes dá valor, nós é que atribuímos o valor às coisas.

Tantos dias, naquela bolha infantil de um mundo quase perfeito de jogos inventados, de criatividade que surgia da falta de meios, fazia-nos pensar mais, esforçar mais para combater o tédio.
Ainda que existiam muitos momentos mortos, momentos que não havia mesmo nada para fazer, momentos em que só estávamos ali, em que nos olhávamos, em que por vezes era o silêncio e o escrever na terra, ou soprar para o ar, ou deitar no chão aquilo que partilhávamos!
Mas foram tantos momentos desses que nos fizeram sentir mais cúmplices, mais próximos, mais empáticos, mais amigos. Hoje vejo tantos desses momentos, como os momentos verdadeiros, em que nada existia de interessante para nos prender ali, que não havia obrigação, apenas existia a vontade de estar ali e não noutro lugar, e não com outras pessoas, era ali...

O tempo foi passando, vamos crescendo com a crença que sabemos mais, mas parece que vamos aprendendo a desaprender, desaprendemos a ser genuínos, desaprendemos a ser inocentes, desaprendemos a acreditar, sonhar, e a ser livres.
Mas conseguimos atingir muitos objetivos da vida real, e perseguimos a vontade de conquistar o mundo, de saber tudo, de sermos fortes, capazes de mudar o que os outros não pensaram bem, e continuamos totalmente absortos na nossa vida, a nossa vida, tornou-se o centro do mundo!

A nossa vida, a nossa bolha é o foco, as pessoas existem para responderem às nossas necessidades, as outras pessoas, porque nós temos um destino a cumprir, temos que estar concentrados na nossa vida, que é a mais importante e que só se vive uma vez.
Queremos conhecer a nossa psique totalmente, fazemos terapia, queremos conhecer o mundo, viajamos, queremos conhecer o nosso corpo, fazemos check-ups intensos, queremos viver em espiritualidade, meditamos, queremos ser melhores intelectualmente e ascender a melhores cargos profissionalmente, fazemos MBAs, queremos estar em forma fisicamente, o ginásio e PT particular passou a ser um pequeno luxo, ah e as experiências, não nos podemos esquecer das experiências já valorizamos mais as experiências do que aquela pulseira ou aquele relógio, queremos sentir na pele a experiência do salto de páraquedas, daquelas aulas de teatro, daquele jogo a 3D, daquele escape room. Tudo aquilo que nos faça aproveitar mais, que nos transmita algo de novo, que nos permita absorver mais. Estar parado é que não.
Depois, no final do dia sentimos cansaço, mas um cansaço bom, de concretização, de validação, de vida!
As experiências permitem-nos sentir vivos! Porque hoje em dia as pessoas já não servem para isso!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Quase...

Talvez este quase seja mais revelador do que tudo o que possa escrever...
Talvez este blog, estas mensagens, esta leitura constante dos meus devaneios seja ainda mais óbvio o que sinto, atrás de tudo, do que tudo o que tento transmitir em mil palavras.
É tudo uma farsa, é tudo uma forma de fugir sempre à dor.
Não gosto de sofrer.
Não gosto de angústia.
E quem gosta?
Mas há quem a encare, há quem a confronte, há quem a combata.
Eu fujo, tento contornar,
Mascaro tudo em divertimento e procura incessante de outros caminhos.
Julgo-me uma espertalhaça que consegue vencer isto de forma matreira,
Que consigo manter-me ausente de sentir aquilo que não quero sentir.
Remeto para o futuro a dor, e sempre a pensar, com o tempo no futuro esta dor já será ténue,
AhAh, já a enganei! Toma lá que a mim ninguém me apanha!
Acham que me vergam, nem pensar! Eu não sou uma florzinha!

Este é o meu discurso interno, tantas vezes!

Sim, mas vergam-me facilmente
Sim, sou uma flor,

Por mais que queira fugir, é a verdade.

Se me disserem as palavras certas, sou fraca, sou fácil, sou sensível, sou HUMANA!
Se tiverem a atitude certa, sou tudo isso e ainda fiel, e leal.

Quem me conhecer verdadeiramente, ganha ouro, do puro, do genuíno,
Porque vai conseguir tudo de mim!
Porque vai ter o meu tempo,
Vai ter o meu coração,
Vai ter a minha força, a minha energia, tudo aquilo que precisar e eu tiver para oferecer!
Porque dou tudo o que tenho.
Ofusco sempre com uma imagem mais dura, que vai de encontro ao pensamento interno que me guia.
O mundo não é dos fracos e oprimidos.
E eu quero o mundo, quero vê-lo, senti-lo com todo o seu esplendor.

Quase seria o ponto mesmo antes da chegada!
Depois existe muito aquela frase bonita que não é chegar que conta mas o caminho que se fez, mas neste quase está o caminho.
Um caminho que não queria fazer, um caminho cheio de buracos, um caminho sem orientação, um caminho que se teve que construir a si mesmo.

E depois quando penso ver no horizonte o fim, por vezes o caminho é aumentado, e fico sem acesso, às vezes surgem desvios a fazer, outras vezes surgem obstáculos que implicam parar.
Mas estou mais perto!
EStá quase!