domingo, 13 de setembro de 2020

refém

sempre pensei que fui presa,
fácil ou não,
mas presa.
não vitima, 
fui apanhada numa teia,
como um animal ingénuo,
mas uma teia que não era tecida pela mesma linha,
depois de vários atropelos,
de vários enganos,
de me acomodar até,
deu-se a rebelião, e consegui cair achincalhada da teia,
andei aos tropeções
perdida num labirinto,
com regras e sinais confusos,
quando encontrei um caminho seguro,
não me satisfez, quero sempre mais,
sentia que ainda não era ali,
voltei à estrada,
continuo sem o código de estrada atual,
os sinais e regras continuam a parecer estranhos e confusos,
não sei se sou eu que interpreto mal ou se estão na sua maioria errados,
e a questão é mesmo essa,
questiono demais,
e fico prostrada com tanta questão,
e se..., e se,...
e pior, ai se estou no caminho daquela teia novamente?
também posso decidir ir por outro caminho,
o mais seguro, em que sou eu que defino o código.
não quero ser apenas um sinal de desvio,
e sinais proibidos não fazem match comigo,
se achar que sou eu que sou errada, vou questionar-me a mim,
vou ser dura comigo, e vou ressentir-me comigo,
e pior vou duvidar de mim,
e no final, vou sobrepor outros a mim,
retirando-me o papel principal.
E eu sou quem desempenha o meu papel principal, porque a vida é minha!
Sempre minha, brindada por outros e usufruída exclusivamente por mim.
o orgulho é necessário, faz-nos lutar por nós,
para defender os nossos interesses,
não o podemos ignorar quando nos alerta para os perigos,
a curva é sempre contornável,
mas um penhasco é sempre um penhasco.
quando me sinto perder voz.
quando me forçam a perder energia,
morro devagarinho,
não consigo não defender o que acredito,
o que é justo.
e a aceitação é a maior prova de amor,
quem não superar essa prova, não é digno e não ama.


prisioneira de mim

a liberdade é castradora,
digo-o impiedosamente,
nada na liberdade nos liberta,
aprisiona-nos o sentimento de ser livres,
quando somos livres, somos obrigados a fazer escolhas,
a decidir,
a viver segundo a nossa vontade,
a responsabilidade é nossa,
a iniciativa ou a não iniciativa depende de nós,
temos que garantir coerência,
temos que ter estabilidade,
temos que provar capacidade,
temos que manter níveis de sanidade,
temos que controlar várias dimensões da vida em sociedade,
temos que lavar a cara,
temos que sair de casa,
cumprir regras,
sustentarmo-nos,
avaliar e sermos avaliados.

que raio de liberdade é esta?

a liberdade de pensar essa é livre,
mesmo que estejamos numa prisão de nível máximo,
a liberdade de poder dizer aquilo que ninguém ousa dizer...já não a temos,
a liberdade de expressão é uma falsa ilusão,

porque teimamos em querer ser livres,
a liberdade de pessoas é o que se pretende,
mas essa é utópica,
ser livre de deveres, mas manter direitos,
ser livre de dizer,
de fazer,
de não fazer,
de querer e não querer,

as liberdades invisíveis,
as liberdades comandadas sem ordens,
as liberdades confinadas em cada um,
as liberdades mudas



coisas que se sentem

existe aquele sentimento que não se explica,
que se sente,
que ninguém parece ajudar,
e que se tentam, são alvos fáceis de todo um fel,
ninguém tem culpa,
e só queremos que o tempo passe,
nada resulta,
porque se trata essencialmente de encaixar,
aceitar que temos dias que acontecem coisas más,
ou diria menos boas,
ou que se acumulam insatisfações,
que guardamos há algum tempo,
num sitio recatado e obscuro,
e que tentamos muito ignorar que existe,
talvez seja minha a culpa,
aspiro a ser ou ter aquilo que não sou capaz,
ganhei poder,
perdi poder,
suei para conseguir,
pensei que iria subsistir,
tudo o que se ganha, se pode perder,
tudo o que se perde, se pode ganhar,
a ilusão do que temos,
da posição que ocupamos,
de sermos considerados com valor,
mas o valor está em nós.
e sempre que o procuramos nos outros não o temos.




validade

nascemos com validade.
quando será que estamos fora de prazo?
que temos validade é um facto,
que cumprimos o prazo saudável, é que já não sei.
porque é que existe quem saiba que chegou o seu tempo limite?
ou que já viveu mil vidas,
há quem pareça junior na vida quando já a idade vai avançada,
e há quem desde cedo sinta que o caminho já vai longo,
almas velhas,
almas infantis,
temos tantos conceitos para apelidar e tornar tudo mais compreensível,
mas a verdade é que não compreendemos,
nem sequer sabemos o que é a vida,
qual o sentido,
porque surgiu,
as pessoas, os animais, a flora e fauna.
toda a estrutura que se formou,
e nos torna seres tão complexos por um lado e tão básicos por outro,
as capacidades reduzidas intelectuais,
vemos todos de forma diferente,
mas vemos tudo igual,
interpretamos, processamos, educamos
sentimos todos, mas até sentimos de forma diferente coisas iguais.