quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Apalpo-me

Apalpo-me, 
apalpo-me,
por dentro,
nas células a palpitar,
no sangue a circular,
dentro das veias,
efusivo sem parar,
é quente,
é forte,
destemido,
segue em frente.
só pára com a morte.

parece tudo controlado,
naquele furor,
naquele inebriante calor.
tudo pulsa,
nada desleixado.

desde o cérebro,
ao mindinho,
tudo se sente,
tudo se rende,
ao milímetro,
tudo se move em desvario,
nada mente,
tudo se revela,
e desmantela.
é martelar,
é surripiar,
é envolver,
é sorver,
é contornar,
é sussurrar.
é deslizar,
fluir,
sem mugir,
nem tugir.

e por aí abaixo,
de fio a pavio.
com ritmo,
mais lento,
mais rápido,
tudo a par.
a remar,
no mesmo sentido.

tudo a esgrimir esforços,
a consumir energias,
a validar caminhos,

apalpo-me.
se por vezes me aquece,
por vezes esmorece,
e muitas vezes enlouquece-me.

o pior são as vísceras,
pecaminosas,
radiosas,
e lamacentas,
sempre ali prontas a aprontar,
e sem mais quê nem para quê,
deleitam-se,
enfeitam-se
e contrariam.
e deitam-se,
estão a gozar.
nem sequer tentam enganar.

apalpo-me,
tensa,
e a arfar
tudo funciona,
mas não sei,
ora parece lento,
ora parece rápido,
e de repente,
por fora,
os poros,
arrepiam, 

Apalpo-me,
e sem rodopios,
tenho que me sentar.
não é por dentro,
não é por fora,
sem alento,
senão me sento.
caio no chão.
não é pela hora,
não é pelo dia,
não é pela noite.

Apalpo-me,
sinto-me,
vejo-me.
Nada de anormal,
Nada de estranho,
Respiro fundo,
Afinal é este mundo.
Estou apenas a respirar,
este transpirar,
este gotejar,
é fruto podre,
de outras vidas,
de outros cansaços
em outros regaços.
ainda resta a sombra,
o pavor da repetição.
como uma maldição!

apalpo-me,
levanto-me,
estou pronta,
é o que conta.






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